Fiscalização da “Ficha Limpa” fica comprometida
devido a falta de lista nacional de inelegíveis
A inexistência de um cadastro nacional de políticos inelegíveis pode prejudicar a aplicação dos critérios estabelecidos pela Lei da Ficha Limpa. A dificuldade de acesso da dados claros desafia promotores e procuradores eleitorais, que terão apenas cinco dias, no início de julho, para apresentar à Justiça impugnações de candidatos a prefeito e vereador ficha-suja nas eleições de outubro.
O procurador regional eleitoral de São Paulo, André de Carvalho Ramos, afirma que recorrerá aos partidos políticos para que orientem os diretórios municipais a filtrar os inelegíveis. “A Ficha Limpa vai ser testada no momento do registro das candidaturas e com as ações de impugnação desses registros. Há um ator que precisa ser cobrado, e muito, que são os partidos políticos.”
Criada por meio de projeto popular, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) estabelece hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Ela torna inelegíveis as pessoas condenadas em órgão colegiado (segunda instância) por diversos tipos de crimes comuns e eleitorais nos oito anos anteriores à eleição. O Supremo Tribunal Federal suspendeu decisões baseadas na lei nas eleições de 2010, mas considerou que ela se aplica a todos os casos nas eleições de 2012.
Carvalho Ramos afirma que procuradores rastreiam nomes de atingidos por condenações que os tornaram inelegíveis a partir do segundo semestre de 2004 e requisitam aos tribunais listas atualizadas de condenados, mas esbarram na dificuldade de acesso a informações homogêneas e atualizadas. “Há um esforço hercúleo para nos municiar de informações que terão de ser checadas”, disse o procurador.
Ele listou problemas que dificultam a fiscalização da Ficha Limpa. O primeiro: falta uma lista ou cadastro nacional que integre, em um mesmo padrão, os diversos tribunais estaduais, federais, de contas, do trabalho, militares e até conselhos regionais profissionais mencionados na Ficha Limpa.
Outro problema é a ausência de integração dos bancos de dados entre os tribunais, o clássico caso do sistema que não lê outro. “A grande tradição no Brasil é a ausência de integração de bancos de dados”, afirmou o procurador. Por essa via, um político condenado em Pernambuco, mas com residência em São Paulo, pode eventualmente ser considerado em território paulista fora do alcance da Ficha Limpa, o que foge ao objetivo da lei. “A existência de cadastros regionais não combina com o sistema de direito eleitoral, que é nacional”, disse o procurador.
Outra dificuldade, segundo ele, é ‘ensinar’ esses bancos de dados de cada tribunal a dar a resposta que os promotores procuram, dentro de uma linguagem só. É desafio também para os promotores saber se a decisão disponibilizada em determinada lista está efetivamente atualizada, ou se foi modificada em outra circunstância. O político pode ter tido o nome retirado daquele cadastro, por exemplo. Há ainda uma outra dificuldade que pode ser a necessidade de leitura detalhada de cada acórdão de cada tribunal para saber de que forma aquela decisão pode ser interpretada à luz a Ficha Limpa.
“Hoje existe um pleito para que haja regulamentação que nos leve a um cadastro nacional dos inelegíveis ou que o candidato seja obrigado a apresentar resposta a todos os questionamentos. Eu sou mais favorável ao cadastro porque uma das funções do direito eleitoral é dar transparência à informação. Isso não é fácil. Tenho dificuldade até para descobrir o número de condenados”, disse o procurador.
Projeto popular
Surgida de um projeto popular, a lei traz várias novidades, segundo o procurador. “A Ficha Limpa trouxe várias novidades, entre elas o aumento do prazo de inelegibilidade de três para oito anos, a dispensa da necessidade do trânsito em julgado e o aumento do rol das diversas formas de inelegibilidade. Além disso, criou hipóteses novas, como a impossibilidade de renúncia para escapar da cassação”, disse Carvalho Ramos.
Na segunda-feira, o procurador-geral de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa e o procurador regional eleitoral, André de Carvalho Ramos asssinaram com o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e com o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral um termo de cooperação que prevê a criação de uma central de atendimento para receber denúncias de corrupção eleitoral, chamada Via Rápida para a Cidadania.
A central, financiada por uma empresa privada, atenderá a população a partir do dia 2 de julho, por meio de um telefone gratuito. O denunciante receberá um número de protocolo e poderá acompanhar o andamento de sua denúncia. O número de telefone será divulgado quando o sistema começar a funcionar. “Há 20 anos, supor o combate ao nepotismo era apenas um sonho, um devaneio. O que possilitou isso foi comungarmos da mesma tese. Por isso, não há porque não haver otimismo”, disse Elias Rosa.
Ministério Público terá apenas cinco dias para impugnar fichas-sujas.
Fontes de dados múltiplas e com padrões diferentes dificultam trabalho.